
Quadros
A pintura tornou-se ritual. Cada tela é um portal onde energias são evocadas e invocadas com intenção. Passo horas, dias mergulhado em estados alterados de consciência, onde o tempo se dissolve e a imagem emerge como revelação. Nesse processo de gnose, pinceladas são orações silenciosas, cores são frequências e formas são entidades que ganham corpo. Pintar é me oferecer como canal para que algo maior se manifeste.

Lanterna
Esta tela foi um ritual de passagem — um gesto iniciático que evoca o despertar da chama interior. Ela simboliza a centelha sagrada que se acende no peito de quem ousa atravessar os véus da realidade comum. É o fogo que protegemos a todo custo, que carregamos com reverência e, quando chega o momento, oferecemos aos que são dignos. O fogo de Prometeu — um convite silencioso para trilhar o caminho da Grande Arte.

Velas
O instante exato em que o ritual começa. Duas velas vermelhas ardem com intensidade, deixando escorrer seus próprios corpos como oferenda. A chama se ergue viva, sinuosa, revelando o primeiro sopro de inspiração — o fogo que desperta, convoca, consagra. Aqui, o vermelho não é só cor, é o prenúncio da magia em movimento, o momento liminar onde o silêncio se quebra e o sagrado se acende.
Invocação
Invocação de Babalon, a Senhora Escarlate — soberana do desejo sagrado, da liberdade sexual e da entrega extática. Essa pintura é um ato devocional. A figura ajoelhada realiza o rito: na mão esquerda, o cálice erguido, receptáculo universal. Na mão direita, a chama acesa, falo sagrado, centelha da Verdadeira Vontade. Entre sombras e fogo, abre-se o portal. Babalon é o êxtase sem culpa, a entrega que transborda os limites do eu. Ela é a força que exige tudo — e, ao ser atendida, devolve potência.


Fogueira
A chama dança em espiral, viva e extasiante, evocando tanto o calor do corpo quanto a fagulha do espírito. As toras empilhadas com cuidado sustentam um fogo que não apenas acalenta, mas consagra. No silêncio da floresta, ela arde como uma entidade. É o ventre aceso da Terra, a centelha da transmutação. Pintar esse fogo foi como reacender um pacto com ancestral com o invisível — onde cada pincelada era um sopro no braseiro da inspiração.
Serpente Escarlate
Serpente Escarlate nasceu do êxtase ritual em uma noite em que o fogo se tornou extensão do corpo. A imagem captura a transfiguração da dançarina — uma sacerdotisa de Lilith tomada pela energia ardente de Babalon — em seu momento de maior potência. Seus braços se multiplicam como os de uma deusa em transe, e as chamas que ela manipula não são apenas ferramentas cênicas, mas veículos de invocação. Pintar essa cena foi tentar fixar em óleo o instante onde carne e espírito se entrelaçam, onde a serpente vermelha do desejo se ergue, não como pecado, mas como poder criativo. É uma oferenda à luxúria sagrada, à liberdade feroz e à força feminina que não se curva.

Babalon
Babalon em sua glória apoteótica — coroada, sentada em seu trono, e absolutamente soberana. No centro do vitral, a estrela de sete pontas simboliza profanação de todos os templos. Com uma taça erguida, ela celebra o vinho da Vontade — líquido sagrado feito do gozo, do sangue e da liberdade. Aos seus pés, sete crânios remontam a Besta que Babalon monta: são os restos dos homens que ela devorou, símbolos da transgressão das amarras e da entrega plena à força do feminino indomado. Essa é a imagem da Sacerdotisa Suprema, da Mãe das Abominações, que transforma morte em êxtase e desejo em rito.


Lilith
Lilith, envolta em sombras e nuvens densas, emerge com olhos incandescentes, chifres espiralados e asas de morcego — sinais da sua natureza noturna, selvagem e intransigente. Lilith não se curva, não serve e não pede licença. Ela encarna a face rejeitada do feminino: instintiva, indomada, livre. O vermelho que a contorna é o fogo interno do trabalho de sombras — aquele que ilumina sem suavizar, revelando feridas, desejos e segredos com a mesma intensidade. Pintá-la foi aceitar o convite para descer ao submundo e olhar nos olhos daquilo que evitamos.
Inana
Inana em sua plenitude soberana — deusa do céu, da terra e do submundo. Suas asas abertas evocam o voo entre mundos, enquanto os leões rugindo aos seus pés anunciam sua força indomável. Em cada mão, ela segura os símbolos do círculo e do bastão — o receptáculo e o falo, o sagrado feminino e o sagrado masculino — equilibrando em si o casamento alquímico. Da sua coroa emana o brilho solar, mas seu olhar é lunar, profundo, indomável e perigoso. Inana é a senhora dos portais, a iniciadora que desce e retorna, trazendo consigo o mistério da morte e do renascimento.

Kali
Kali, a Mãe Negra do tempo, da destruição e do renascimento. Cada pincelada foi feita em estado de reverência, como quem entoa mantras com as cores. Representá-la no exlendor de sua imponência é a aceitação de que a morte é parte da dança da vida. Kali arranca máscaras, corta ilusões e devora o ego com ferocidade compassiva. Ela é a devoradora e a libertadora. Ao trazê-la à tela, eu também a invoquei em mim: deixei que ela destruísse o que precisava morrer, para que algo novo pudesse nascer.


Astarte
Deusa lunar, senhora dos corpos e das estrelas. Seus olhos vermelhos rasgam o véu do visível como faróis iniciáticos, irradiando uma sabedoria erótica, ancestral e indomável. A mão estendida convida à travessia. A meia-lua sobre sua cabeça revela sua essência cíclica, eterna. Pintá-la foi um rito de retorno ao princípio: um mergulho no feminino primordial que rege o amor, o sangue, e os mistérios que dançam na noite.

Pã
Deus dos bosques indomados, do desejo bruto e da embriaguez da natureza. Meio homem, meio bode, ele sopra sua flauta como um feitiço que dissolve as amarras da civilização, conduzindo ao êxtase e ao instinto. Seu olhar selvagem e a luz rubra ao fundo evocam a presença do numinoso no caos da floresta — onde a magia não precisa de templo, apenas de corpo, pulso e liberdade.

Dionísio
O deus do vinho, do êxtase e da transcendência pelo prazer. Entre uvas maduras e uma taça transbordando, ele celebra o corpo, o riso e o delírio que desmancha as estruturas do controle. Sua presença é convite ao desbunde ritual, à comunhão com os deuses pela alegria, pelo transe e pela entrega sem culpa. Pintá-lo foi brindar com o caos criativo e sagrado da vida.
Deméter
Esta pintura é uma oferenda à Mãe dos Campos, Deméter — deusa da colheita, da fertilidade e do ciclo da vida que se transforma. Com a foice na mão e os pés enraizados no campo dourado, ela abençoa a terra e conduz os mistérios da abundância. Seu olhar firme e sereno revela tanto a doçura do florescer quanto a força de quem já enfrentou perdas e soube renascer. Pintá-la foi um rito de gratidão à potência feminina que nutre, preserva e ensina a confiar no tempo das estações.

A Dançarina
Essa tela é uma releitura da carta A Dançarina do oráculo Os 40 Servidores, representada sob o arquétipo e Ramona Flowers (Scott Pilgtrim) para um trabalho de Pop Magick. Em movimento, de patins, deslizando entre dimensões, ela desafia a gravidade ao lado de águas-vivas que flutuam como pensamentos que não afundam. Ela dança apesar da queda, da frustração, da curva errada. Ela sorri entre os destroços, escorrega pelo caos com brilho nos olhos, e aceita que nem tudo sai como o esperado — mas ainda assim vale a pena seguir patinando rumo ao horizonte. A Dançarina nos ensina que rir da tempestade é um ato de poder. E que, às vezes, é no movimento desajeitado que encontramos a liberdade.

O Diabo
Óleo sobre tela.
Valor: R$ 6.000
Formato: 50 x 80 cm
Aquela presença que sussurra verdades incômodas sobre as prisões que escolhemos vestir. A figura de cabeça ossuda e chifres flamejantes emerge das sombras não como inimigo, mas como espelho. Ele nos obriga a encarar os contratos que assinamos sem ler, as regras herdadas que seguimos sem questionar. Sua função é clara: revelar o autoengano. O Diabo convida à quebra. Não de forma leve, mas através do confronto direto com nossos moralismos, culpas e crenças aprisionantes. Ele é libertação através da ruína do falso eu — e só quem tem coragem de encarar a sombra pode, um dia, dançar sob a luz.

Oxum
Senhora das águas doces, do ouro, da beleza e do amor próprio. Aqui, ela repousa diante de seu oráculo sob forma de um espelho d'agua, onde céu e rio se confundem — reflexo do mundo interno. Seus olhos, velados por contasdouradas, enxergam para além da superfície. Oxum guia pela intuição, pelo encantamento e pelo mistério do sentir. Pintá-la foi um ato de escuta profunda, de entrega à delicadeza que sustenta e transforma, como o próprio fluxo das águas que ela rege.

Iansã
Dançando no coração da tempestade, Iansã rasga o céu com seus ventos e relâmpagos. Senhora dos raios, das mudanças súbitas e das almas que cruzam o véu, ela se move com o ímpeto de quem não pede licença. Essa pintura captura seu Axé em pleno movimento: o vento nos panos, os pés descalços na terra molhada, o trovão que reverbera no peito. Iansã não é só força, é também coragem de abraçar o novo, de renascer no meio do caos, de abrir caminho atrabés do bambuzal. Pintá-la foi se deixar atravessar pelo vendaval. Quando ela passa, nada fica no lugar — e ainda bem.
